República
Butantan – Ouro Preto
Uma República
de Cobras
A vida estudantil confunde-se com a história de Ouro Preto. A
partir da fundação da Escola de Farmácia em 1839 e da Escola de Minas em 1876 o
cotidiano ouro-pretano passou a contar com a onipresença de estudantes em suas
históricas ladeiras. Segundo consta, as primeiras repúblicas de Ouro Preto
foram criadas durante o período de transferência e transição da capital para
Belo Horizonte (1897), durante este período houve um forte declínio econômico e
social, dentro deste contexto, várias casas, prédios e sobrados foram abandonados
e tomados por estudantes que reivindicavam moradias às suas instituições de
ensino. A partir dos anos 1950, a Escola
de Minas iniciou processo de arrendamento e integração dos casarões invadidos pelos
estudantes. Com isso estas casas passaram a servir oficialmente como moradia
estudantil gratuita.
A história da República Butantan tem inicio nos meados da década
de 60, quando alguns alunos da Escola de Minas, devido a dificuldades
financeiras da época, resolveram se juntar para dividirem as despesas com
moradia. Inicialmente entre estes alunos encontravam-se: Alfeu Zanon (aluno de
Geologia); os “cascudos” Marcos Donadello, Mauricio Marcone e Emmanoel Dutra (se
preparavam para ingressar na EMOP)
Inicialmente a residência que abrigou a República Butantan foi um sobrado de três andares localizado na Rua Getúlio Vargas, um pouco antes do Hotel do Rosário (atualmente Solar do Rosário); esta casa abrigou a República por quase 5 anos. Este período é descrito através do relato enriquecedor do ex-aluno (Geologia-1965) e também ex-professor da Escola de Minas, Marcos Donadello:
A casa original ainda é a segunda que precede o Hotel, pelo lado
direito de quem vai para o Rosário. Tem três andares, no térreo ficava uma
relojoaria, no segundo andar vaga para quatro, cozinha e banheiro, no andar de
cima, vaga para mais seis. Ali mesmo formaram-se o Zanon (Geologia 64), Marcos
Donadello (Geologia 65), Maurício Marcone (Minas 65) e Emmanuel (Geologia 66).
Ele ainda complementa sobre o cotidiano e a rotina desta época:
O nome e a placa, ainda hoje mantidos, foram escolhidos desde
início, na pretensão que lá morariam os estudantes cobras. Na realidade o atrativo era economizar com a divisão das
despesas de aluguel e luz. A identidade dos moradores era a pouca grana (...).
Resumidamente podemos avaliar que o inicio da República Butantan foi
permeado de muitas dificuldades, mas no seio destes obstáculos, surgiu uma
força e amizade imensamente forte:
Cada um fazia o seu café e arrumava seu quarto. Alguns lavavam a
própria roupa. As refeições eram feitas em pensões próximas (só Zanon tinha o
privilégio do REMOP). Banhos quentes, utilizando um aquecedor elétrico de 200
litros, só aos sábados (dava sempre briga porque os primeiros da fila consumiam
toda a pouca água aquecida). As lâmpadas dos corredores ficavam apagadas e a
porta de entrada sempre aberta (bons tempos). Bastante sujeira e uma pobreza
sustentável. Mas eram todos muito felizes e esforçados (cobras de fato).
Na residência original (no Rosário) ainda moraram os ex-alunos
Mauro Ribeiro (Minas 71), Carlos Trindade (Capixaba – Geologia 71), José de
Souza Gomes (Zé Tarzan – Minas 71).
A segunda metade da década de 60 foi marcada por muitas
transformações, na vida política do país, na estrutura da educação e
principalmente na história da República Butantan. Foi durante este período que por
meio de mobilização estudantil que a Escola de Minas adquiriu algumas
residências no centro histórico de Ouro Preto com o intuito de melhorar as
condições de vida dos estudantes. Entre estas casas foi adquirida a residência localizada
na Praça Barão do Rio Branco 44 (Praia do Circo), que era propriedade da
tradicional família Trópia.
Segundo o ex-cobra José de Lourdes Ribeiro Motta (Eng.
Metalúrgica-1972):
A Butantan atual foi consequência de um grande movimento feito
pelo Diretório Acadêmico em 1966, que sensibilizou a direção da Escola de Minas
a investir em cerca de 10 casas reformadas, que originaram repúblicas já
existentes (...) Como podem notar a Butantan não caiu do céu, ela foi
conquistada por um grupo de colegas que se expuseram na época, face ao regime
militar.
A República Butantan se transferiu para esta casa em 1967 e desde
então transformou o local em seu “habitat”. Esta fase é marcada por três fortes
características, que se transformaram em pilares da essência ofídica:
A primeira faz referência ao seu período de glória no esporte:
durante o final da década 60, Marcos Donadello, Carlos Alberto - Capixaba, Jarbas Caiafa - Jarbinhas, Vicente Lanna, José de Souza
Gomes - Zé Tarzan, além de Benedito
Amâncio de Moraes - Duca, defenderam
a ADEM (Associação Desportiva da Escola de Minas) que sagrou-se bicampeã do
campeonato municipal promovido pela Liga Esportiva Ouro-Pretana (LEO) em 1968 e
1970. Só não foram tricampeões porque em 1969 a “LEO” não realizou o campeonato
para a reforma do Estádio da Barra.
A segunda característica inerente à República é a forte associação
com a comunidade ouro-pretana (fato que se estende até hoje, do qual nos
orgulhamos muito). Destaque para a amizade com o ex-aluno e ex-professor da
Escola de Minas, Benedito Amâncio (Duca – Geologia 70 in memorian ) e o também ex-aluno e professor da Escola de Minas, Espedito
Teixeira de Carvalho (Civil 1976) além dos amigos e vizinhos da Praia do Circo
e do Pilar tais como Dona Célia, Sr. Gentil, Sr. Domingos Mendes entre outros.
É impossível não associar a República Butantan ao lendário José da
Mota, vulgo João Pé de Rodo. São várias e inúmeras as histórias que circundam
sobre a sua vida junto a Butantan, muitas destas histórias acabaram tornando-se
lendas e habitam o imaginário popular ouro-pretano.
Segundo consta, foi levado para a República pelo ex- cobra José de
Lourdes Ribeiro Mota, do qual o João Pé de Rodo orgulhava-se em considerá-lo
como primo, devido a coincidência do sobrenome “Mota”.
Pelas ruas da velha cidade, foi montando, aos poucos, o tipo
humano que todos conheceram: homem baixinho, com roupas grandes e
desengonçadas, o sapato, bem maior que seu número real, a arrastar pelas ruas
(o que lhe reforçou a alcunha Pé-de-Rodo). Sempre cismava que era militar, com
a patente de capitão, razão pela qual costumava se apresentar com fardas cheias
de condecorações imaginárias. (Bohrer, Alex Fernandes – Ouro Preto: Um novo
olhar, pg. 74).
O Cônego José Feliciano da Costa Simões o definia assim:
Um tipo popular que deixará uma marca na cidade, por ser criador
de uma autêntica filosofia de vida, da qual ninguém se esquecerá por muito
tempo (...) uma pessoa que tem alma pura e profundamente boa (...) e um grande
sentimento de honestidade e dignidade.
A terceira característica advém da forte participação política dos
moradores da República (conforme citado anteriormente) destaque para José de
Lourdes R. Motta e Cláudio Ribeiro Lacerda que à frente do Diretório Acadêmico
tiveram uma participação ativa na política estudantil e nacional em uma época
que deve ser valorizada entre outros motivos, à repressão dos militares aos
movimentos populares e estudantis. Neste período as Entidades estudantis como a:
UNE – União Nacional dos Estudantes e a UEE/MG
– União Estadual dos Estudantes, foram esfaceladas pelos militares e passaram
atuar na clandestinidade.
Com a criação da Universidade Federal de Ouro Preto (1969), composta
pelas Escolas de Minas e Farmácia, advém uma nova conjuntura estudantil. Nesta
época (inicio da década de 70) o cobra Elias C. de Rezende estava à frente do
DAEM. Durante este período os movimentos sociais crescem e pressionam a
Ditadura. No ano de 1979, Ouro Preto sediou o congresso de refundação da UEE/MG,
a definição de Ouro Preto como sede teve o seu indicativo numa reunião entre
tendências politicas do movimento estudantil em pleno quintal da Butantan.
Conforme cita José de Lourdes de Ribeiro Motta:
Durante muitos anos, a nossa Butantan, conforme puderam notar,
participou ativamente da política estudantil da época, o que muito nos orgulha
até hoje. Tenho certeza que após esta geração, certamente outros também
contribuíram com o D.A ou outras Entidades e ainda contribuirão.
Não entraremos no mérito da questão, mas podemos afirmar que este
envolvimento político dos “Cobras” ao longo do tempo foi fundamental para a
manutenção da República dando à nossa casa um status de vanguarda na formação
de opinião dos estudantes quanto a políticas universitárias e nacional.
“Ter vivido nesse ninho de cobras é carregar pelo resto de nossas
vidas as lembranças das lutas, da amizade e companheirismo” (Roberto Guidugli
civil 1980)
O século XXI (anos 90, 2000) chegou com uma nova conjunção onde a
Universidade toma um papel diferenciando, o país vive um momento econômico de
euforia e a antiga Ouro Preto que nos anos 70 assistia pouco mais de 1000 estudantes
circulando por suas ruas e becos, atualmente conta com mais de 10.000
estudantes, produto da expansão universitária.
Mesmo assim, a história da República Butantan tem sido sustentada onde
novos “cobras” mantêm os princípios culturais plantados na década de 60, ainda no
sobrado da Rua Getúlio Vargas que, no ano de 2012 chega ao seu cinquentenário
com muita energia e vigor. Para quem não viveu na Butantan é difícil explicar o
que se passou em nosso habitat, construímos ao longo de 50 anos uma grande
amizade onde ex-alunos de diversas épocas mantêm o companheirismo e a
fraternidade que nos leva a considerarmos como “irmãos de república”.
O momento atual tornou-se um tempo de desafios para os estudantes.
O passado deixou lições de superações durante as adversidades, e se a República
hoje é uma instituição da qual todos nos orgulhamos, isto se deve e muito aos
momentos onde a dificuldades se fizeram presentes, e aí, exatamente neste
instante, surge à essência de ser de uma República. A República Butantan.
O prazer de voltar a nossa eterna “Butantan” é compartilhado por
todos os ex-alunos, pois sentir e reviver as lembranças da vida estudantil é
suficiente para consolidar a nossa amizade e nosso espírito Butantaniano.
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