Um dos pratos de minha preferência leva o sabor da infância lá em Ituverava, cidade que fica próxima às barrancas do rio Grande, no nordeste do estado de São Paulo. Os domingos eram sinônimos de frango no almoço, o que variava era só o acompanhamento. A minha preferência vai com arroz branco, angu de milho verde, e uma salada com folhas verdes: alface, agrião, rúcula e outros a gosto do amigo.
Vamos lá ao preparo deste prato e dos tira-gostos que acompanham o golo:
Primeiro listar os ingredientes - para buscar lá no mercado central, lógico se você estiver em Belo Horizonte:
01 garrafa de CACHAÇA PASSATEMPO – essa é fina tem o capricho do amigo Claret
01 frango caipira em pedaços;
0,5 kg de moela;
5 espigas de milho
01 engradado de cerveja em garrafa, não me venha com lata;
sal, pimenta de bode, manjericão, e cheiro verde;
açafrão da terra (corcuma);
azeite de oliva;
01 queijo canastra (de preferência dos lados de Cruzeiro da Fortaleza não fica na serra, mas é o melhor Canastra que conheço);
Ao Preparo
Um dos preparos que vem na minha memória foi numa roda de amigos, numa época que trabalhei na região noroeste de Minas Gerais, pesquisando argilosas aluminosas para uso na indústria de cerâmica. A área é muito bonita, composta por uma paisagem onde na morfologia destacam as chapadas, entrecortada por uma rede de drenagem de águas puras e cristalinas, formando uma das regiões mais linda deste Brasil de meu Deus. Estamos nos domínios do ecossistema do cerrado – onde brotam as veredas que Guimarães Rosa imortalizou em sua literatura.
A primeira vez que cheguei nesta região foi num mês de setembro, na metade dos anos 80 numa época que os ipês amarelos quebravam a cinza do período seco. O caminho era sempre o mesmo, fazendo uma parada em Paracatu, para compra de suprimentos e pé na estrada rumo aos chapadões. Na maioria das vezes estava acompanhado de um grande amigo que a geologia me presenteou, Paulo Cesar ou Paulinho, moço bom com um jeito simples, com uma grande capacidade de gerenciar uma turma de pesquisa, sempre com um sorriso e um jeito criativo para contornar os problemas do dia a dia no campo, Paulinho A é natural de Abaeté, filho da Dona Totoca.
De Paracatu seguíamos pela rodovia que dá acesso a Guarda-Mor até o rio Santa Izabel, dali quebrávamos a direita e começava a subir os chapadões. No meio da encosta a já perto do acampamento era a primeira parada. No meio de uns quartzitos aparece uma cachoeira maravilhosa, a cachoeira da Prata, morava o Zé da Prata, a quem denominei o guardião das veredas das nascentes do rio da Batalha. Zé era um homem de muitas histórias, magro, moreno com a pele queimada pelo sol, deixava sempre a barba por fazer e morava há muito tempo por ali, numa casa de taipa e pau a pique junto com a mulher e quatro filhos. Zé da Prata cuidava de um pequeno roçado, de mandioca, milho e feijão, uma horta, umas galinhas e porcos que ficavam soltos pelo quintal. No verão ganhava alguns trocados deixando o pessoal se banhar na cachoeira da prata no fundo de seu quintal. Nesta época a sua mulher preparava uns salgados, bolinhos de feijão e vendia para o pessoal que buscava refrescar nas águas de uma cachoeira das mais lindas que já conheci.
No período que ficamos por lá íamos quase todas as tardes a casa do amigo, que sempre tinha uma novidade para nos contar, era curioso para saber as histórias de Belo Horizonte, porém eu gostava era de puxar a língua do Zé da Prata para contar as histórias da região. O que sempre me impressionou é como as noticias correm pelos cerrados tem sempre alguém trazendo e levando os casos, o Zé da Prata sabia o que acontecia em todo chapadão. Com o tempo vi que a fonte de informação estava nos caminhões que transportavam carvão, enquanto os homens tomavam banho no córrego para tirar o pó de carvão iam contando as novidades, ao atendo Zé da Prata, sobre o que acontecia em todo o chapadão, nas carvoarias, nas fazendas e assim as notícias circulavam com a velocidade do vento.
Bom chega de prosa é vamos ao preparo do prato. Pegue o frango e coloque sobre uma tabua ao lado de uma faca bem amolada.
Abra a garrafa de cachaça - beba um gole para ver se a Passatempo é legitima (se não for, vai descer arranhando). Chame uma boa musica para acompanhar o preparo, afinal domingo sem rádio é sem graça, eu gosto e prefiro o rádio falado, aquele só de musica não me atrai. Se for dia de domingo de 10 as 13, radio Itatiaia, tem um programa fino “À hora do coroa”, ou então pegue um “CD” - para começar, sugiro “Pena Branca e Xavantinho” e ouça a essência na musica regional brasileira.
Volte ao frango e corte-o nas juntas (para quem bebeu só uma dose, é moleza).
Tempere com sal, alho amassado pimenta de bode a gosto, cubra com um pano de prato e deixe descansando.
Na outra ponta da mesa jogue uma pouco do azeite sobre o queijo canastra cortado em pequenos cubos. Sirva mais uma cachaça – levante o copo em direção de uma área iluminada e curta o reflexo da luz atravessando a “mardita”, aspecto límpido, transparente, brilho sedoso e levemente amarelado. Neste momento muita calma, cuidado para não cruzar os nicóis...... Dê uma boa cheirada na cachaça, o aroma é agradável, a boca enche de água, saboreie lentamente. Levante o copo, vazio em direção da luz, perceba uma oleosidade que escorre lentamente pelo copo. Na boca mostra o seu sabor, desce suave pela garganta, deixando um paladar levemente aveludado – perfeito.
Pegue as espigas de milho, com uma faca desbaste os grãos do sabugo. Use o liquidificador para fazer um caldo de milho. Passe o milho batido por um coador. Não jogue o bagaço fora, também dá um bom tira gosto.
Neste momento os convidados já começaram a chegar afinal, cozinhar exige uma boa prosa amigos em volta da mesa e assunto livre. Então, leve um queijo canastra para mesa, cerveja a cachaça. Prepare um bolinho milho.
BOLINHO DE MILHO - Com o bagaço que sobrou do milho junte duas colheres de farinha de trigo, sal, umas 200 g de queijo ralado do tipo parmesão, misture, veja a consistência se necessário, mais um cadinho de farinha de trigo. Não se esqueça de uma pimentinha.
Frite os bolinhos em óleo quente.
Sirva aos convidados, e ouça um pouco da prosa que está em foco
Volte ao frango, doure os pedaços de frango com a moela no azeite, de preferência em panela de pedra ou ferro. Retire o frango e o excesso de gordura, jogue uma colher de chá do açafrão, depois cebola de cabeça picadinha, alho e deixe dourar. Vichi ..... ai o cheiro vai espalhar pela vizinhança, aproveite o cheiro bom e tome mais uma cachaça, agora bem fininha. Quando frango, cebola e alho já estiverem dourados acrescente água, tampe a panela e deixe ferver, conserve o fogo baixo até o cozimento.
Volte à mesa relembre alguns casos com os convidados, derrube mais uma dose de cachaça e inicie o preparo de mais um tira gosto. Agora vamos fazer um engrossado de caldo do frango com farinha de milho.
Num prato fundo amasse uma pimenta de bode, cebola de cabeça bem batidinha, farinha de milho e escalde com o molho do frango, acrescente cheiro verde, coloque algumas moelas, e solte na mesa para os convidados apreciarem esta servida com uma colher comunitária, quem não gostar de “babujo” fica fora da apreciação. Ai não da para resistir sirva uma dose dupla.
Tá na hora do angu: Panela no fogo, azeite, alho – cebola ralada depois de uma leve fritada Jogue o milho batido no liquidificador, agora é só mexer até chegar ao ponto. No final jogue cheiro verde por cima. Ao mesmo tempo retome o arroz, com arroz já pronto coloque uma fatia fina do queijo canastra por cima do arroz – vai ficar bonito.
Para finalizar, corrija o tempero do frango, acrescente se necessário mais caldo quente e veja se está bem macio.
Ai não tem jeito, ta na hora de chamar turma para saborear.
Boa refeição.
Um comentário:
Esse frango, preparado desse jeito, até eu como...
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