quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Moqueca de Lagostim - Uma viagem pelo Leste de Minas






 Numa mesa de boteco a prosa, regada a feijoada, cerveja e cachaça e amigos sempre surge boas ideias. Neste dia o amigo Floriano Costa, narrou uma de suas aventuras, esteve em Resplendor, cidade do leste mineiro, numa viagem de trem para saborear uma bela moqueca de lagostim, pescado no rio Doce, no restaurante do Gilmar. A partir deste dia, iniciei o planejamento de refazer esta viagem, no primeiro momento o próprio Floriano sugeriu que fôssemos até Aimorés, pois tinha a informação de que lá a moqueca era mais caprichada. Descobri o restaurante Canto da Fia, entrei em contato e confirmei que a moqueca de lagosta está cardápio, mais é bom reservar, pois este crustáceo está rareando na região.

Fazendo um parêntese na história, uma rápida pesquisa pela internet veio informações sobre a lagosta de água doce, como é conhecida no leste de Minas Gerais, tem a casca alaranjada depois de cozida, carne é  branca e o gosto muito parecido com a lagosta do mar. No entanto, não são aparentadas pertencem a famílias distintas. A lagosta de água doce é da família Palaemonidae e da espécie Macrobrachium carcinus e a do mar, da família Palinuridae, espécies Panulirus argus e P. laevicauda, mais, depois de ter apreciar o prato posso afirmar, confesso que não percebi diferença no sabor.

De posse das informações comecei montar o programa, convida um aqui, outro acolá, nas mesas de buteko, depois da cerveja muitos se interessam, passa os efeitos do álcool há desistência, afinal 24 horas de viagem no bate e volta, não é fácil, só o espirito da aventura segura o animo, por fim fechamos a data, dia 19 de outubro, definimos por Aimorés”, e os companheiros de viagem só cabras pau pra toda obra: Ricardo e Hilda, Meu amor, e o amigo Floriano que veio se juntar ao grupo em Aimorés, Ricardo ainda no ultimo dia tentou sair mas ai, já era tarde.

No sábado, 19 de outubro embarcamos na praça da estação às 07h30min, o trem é o  Vitória – Minas, diga-se por sinal a única ferrovia que mantém um trem de passageiro diário no Brasil de hoje, sempre pontual, no seu ritmo cadenciado de viagem. A cada estação uma rápida parada, dois, três minutos, o suficiente para embarque e desembarque de passageiros.

Velho maquinista, com seu boné
lembra o povo alegre que vinha cortejar
Maria Fumaça, não canta mais
Para moças, flores, janelas e quinais

Da musica de Milton e Fernando Brandt só o apito em cada curva, hoje os trens são modernos, comparados às antigas “Maria Fumaça”, os vagões confortáveis, poltronas estofadas, ar condicionado, há vagão que funciona como lanchonete, outro como restaurante, vagão exclusivo para portadores de necessidades especiais. O serviço de bordo atende todos os ambientes.  A cada apito anuncia uma curva ou uma estação, onde se observa a fisionomia de alegria de pessoas esperando quem chega ou de tristeza de quem parte, ao lado curiosos que só param para ver o trem e outros fazem deste momento o meio de faturar algum dinheiro, com venda de doces, frutas e outras quinquilharias da região. 

Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega prá ficar
Tem gente que vai
Prá nunca mais...
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai, quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir...
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem
Da partida...
 E no balanço do trem vão desfilando as estações retratando a história de ocupação do leste mineiro: estação “Dois Irmãos”, acesso a Santa Barbara e Barão de Cocais, ao fundo a imponência da serra do Caraça onde se ergueu um Santuário em 1770 e depois, por volta de 1800 é fundado o Colégio por onde nos 1820 a 1835, passaram 1535 alunos. (http://www.santuariodocaraca.com.br).



 Sem muito tempo a trem parte e logo passa por Rio Piracicaba, João Monlevade, Nova Era, Desembargador Drumond, Antônio Dias, Timóteo e chega em Ipatinga por volta do meio dia. 

Depois vamos deixando o vale do aço e entrando numa das regiões mais linda desta parte do estado o Parque estadual do Rio Doce e as estações vão se sucedendo: Intendente Câmara, Ipaba, Belo Oriente, Frederico Sellow, Periquito, Açucena, Pedra Corrida e Governador Valadares. Em Valadares a parada é um pouco maior, lá troca a tripulação e dá tempo aos fumantes matar a vontade, afinal é muito tempo sem um cigarro.




Governador Valadares onde o pico do Ibituruna guarda a cidade

 Com nova tripulação segue a viagem passando por Turumitinga, onde mulheres, meninos e meninas fica na estação oferecendo cocada preta, branca e de maracujá, pé de moleque e manga, a fruta da época. 




Ai vem Galileia, São Tomé do Rio Doce, Conselheiro Pena, Barra do Cuité, Resplendor, Crenaque. Nestas terras vive tribo dos índios Krenak. Povo indígena que habita a margem esquerda do rio Doce a quem os portugueses denominavam Botocudos, de forma pejorativa, em referência aos adornos que usavam nas orelhas e bocas. Os índios Krenak foram os últimos a negociar o processo de pacificação que ocorreu no ano de 1911 e hoje se  presencia o fim da sua cultura e vivem na miséria sem a assistência devida para um povo que já foi o dono da terra.




Por fim após 11:40 h depois de partir de Belo Horizonte chegamos a Aimorés, eram 17: 20 h, a garganta seca e o calor, nos fez apenas parar no hotel, deixar as malas e sair a procura de um Buteko, algumas cervejas um passeio pela cidade de Aimorés, que nos surpreendeu, pela hospitalidade, a limpeza das ruas e a cordialidade do povo da cidade.

Uma pena foi não ter dado tempo de visitar o Instituto Terra que fica no município, para quem não sabe este Instituto foi fundado pelo Fotógrafo Sebastião Salgado e sua esposa Lélia Salgado que a pouco mais de uma década adquiriu uma fazenda de gado e desenvolveu um programa de cunho ambienta e social. Hoje o Instituto Terra já mostra seus frutos com mais de 7000 ha de área recuperada e produção de mais de 4 milhões de mudas de espécies de Mata Atlântica. O projeto é um grande exemplo onde a antiga fazenda de gado, antes completamente degradada, hoje abriga uma floresta rica em diversidade de espécies da flora de Mata Atlântica. A experiência comprova que junto a recuperação do verde, nascentes voltam a jorrar, espécies da fauna brasileira em risco de extinção, voltam a ter um refúgio seguro. (http://www.institutoterra.org).

Depois deste passeio um banho e um taxi que nos levou até o Restaurante Canto da Fia para conhecer a moqueca de lagosta do rio Doce, afinal esse foi o objetivo da viagem ai meus amigos
o prato dispensa comentários,  fantástico a receita, pelo pouco que conversei com o pessoal da cozinha é esta:


Moqueca de Lagosta
Ingredientes para 5 porções

1,5 kg de lagosta-de-água-doce inteira mais ou menos 15 lagostas, sem a cabeça, na verdade achamos pouco, dava para comer mais algumas sem exagero;
5 tomates sem sementes e cortados em cubos;
3 cebolas cortada em cubos;
Urucum para colorir e dar gosto,
coentro fresco que não gostar substituir por salsa,
sal, pimenta e alho a gosto
e farinha de mandioca  para o preparo do pirão.



Modo de fazer

Retire a cabeça e lave a lagosta em água corrente. Tempere a gosto. À parte, faça um refogado de tomate simples. Acrescente o crustáceo e água suficiente para que sobre molho para o pirão. Desligar o fogo depois de poucos minutos de fervura. Finalizar com coentro e servir. Para fazer o pirão, acrescente farinha de mandioca à parte do molho do refogado e misture até dar o ponto e sirva com arroz branco.

Depois do jantar, ainda tomamos duas cervejas num buteko perto do hotel e nos recolhemos lá pelas 2 da madrugada, pois o trem retorna no outro dia passando por Aimorés, exatamente às 10h26min. Chegamos em casa no domingo a noite, cansados sim, mais com certeza que valeu a pena, dá pra repetir?






domingo, 18 de agosto de 2013

Varjão de Minas no Sertão das Gerais - Com uma receita de Pato assado com Serviettenkloss.











No mês de julho de 2013 estava no noroeste de Minas Gerais, no município de Varjão de Minas, cidade pacata que fica às margens da rodovia Pirapatos (Br 354), com uma população em torno de 10.000 habitantes.

Uma cidade de povo hospitaleiro e de boa de prosa, sentados nos bares no final da tarde é possível conhecer um pouco da história e da vida dos moradores, os bares estão distribuídos ao longo da avenida que corta a cidade e no final de tarde torna-se o point principal onde a população faz as caminhadas e butequeia, outras opções nem pensar.

A região faz parte dos sertões mineiros, que Guimarães Rosa já dizia que são vários. Ao mesmo tempo em que concentra municípios extremamente pobres, também apresenta cidades bem desenvolvidas onde a topografia plana facilita a prática de agricultura irrigada. A morfologia da área está assentada sobre rochas arenítica de idade cretácea, além de calcários e metapelitos do Grupo Bambuí. A evolução para o relevo atual passa por períodos onde as condições climáticas e tectônicas foram determinantes. No aspecto tectônico a história do relevo remonta a abertura do Atlântico sul, com a separação dos continentes Americano e Africano, já o clima passa por períodos de extrema aridez, a nível desértico, a períodos úmidos onde as rochas foram sedimentando e compondo o arcabouço geológico da região, sem esquecer que atividades vulcânicas também se fizeram presentes, e são responsáveis pela presença de diamante em toda região.

A evolução do relevo toma a sua forma atual a partir da idade terciária quando um ciclo erosivo impõe extensas superfícies de aplainamento que hoje pode ser observadas na forma de chapadas, serras e planícies fluviais. As rochas cretáceas estão numa posição privilegiadas, de cima das chapadas observam toda a movimentação da região. No fundo do vale o ribeirão Andrade vai serpenteando, sem pressa esculpindo sua calha, se jogando em cachoeiras até chegar ao rio Abaeté, este, mais imponente, recebe as águas claras do Andrade e segue rumo ao rio São Francisco.




Sem dúvida nesta região e seus arredores estão os aquíferos que mantém a vazão dos rios na época de seca, principalmente o rio São Francisco, que já foi denominado rio da integração nacional e que se algum dia os “entendidos” do governo realmente quiserem fazer a transposição das águas do São Francisco, e não apenas ludibriar o sofrido povo nordestino, será necessário atuar fortemente na preservação do ecossistema da região noroeste de Minas Gerais. São estes aquíferos os responsáveis pela manutenção da vazão dos rios durante o período seco do ano hidrológico, com isso criar condições para aumentar a infiltração das águas de chuva no aquífero, é o grande desafio, para isso é preciso conter o desmatamento e por consequência controlar a expansão da agricultura, desenvolvendo técnicas agrícolas menos agressiva ao solo e as águas.  


Outra face da região é seu povo, com um sotaque bem mineiro, assumindo o lado caipira, sem nada de pejorativo, mais sim com seus hábitos tradicionais, de prosa calma e sorriso largo, pessoas que nos fins de tarde circulam pela cidade, param para comer churrasquinho, em churrasqueiras singelas dispostas ao longo da avenida. Na região quando se fala em gastronomia invariavelmente aparecem os derivados de milho, a pamonha que pode ser salgada ou doce, às vezes frita para acompanhar o café ou a refeição, o mingau, este doce, e angu que fica maravilhoso quando acompanha um frango ou galinha. Na galinha sempre aparece o açafrão.

Nesta ultima semana, deparei com uma festa que acontece todos os anos em Andrequicé, que fica a menos de 30 km de Varjão de Minas, Andrequicé, não é a cidade do Manuelzão do Grande Sertão Veredas. A festa é para à padroeira, Nossa Senhora da Abadia. Segundo os moradores, a romaria de Nossa Senhora da Abadia vem de muito tempo onde o santuário recebe milhares de peregrinos que chegam de motos, carros, bicicletas, carros de boi, a cavalo ou mesmo a pé. Não importa a forma como se deslocam, o importante mesmo é chegar em paz, agradecer, pagar as promessas e se divertir. A festa oficialmente é realizada no dia 15 de agosto, mas desde os primeiros dias do mês, o povoado recebe um bom número de romeiros, turistas e vendedores ambulantes, que circulam e movimentam as ruas gerando um impulso no comércio local. No dia 09/08 presenciei uma romaria que saiu de Varjão de Minas para Andrequicé com os romeiros em carros de bois, neste ano tinha mais de 40 carros, são dois dias de romaria, com pouso no meio do caminho, regado com muita fé, comida boa, cerveja gelada e boa prosa.




 É uma terra onde as tradições estão presentes, como narrada por um amigo novo, que conheci neste trabalho. Numa tarde sentou para uma cerveja gelada e junto com ele, a esposa e dois filhos, não tenha dúvida uma família muito agradável, feliz e de boa prosa. No embalo da cerveja, veio a pergunta de como o casal de conheceu? A esposa tomou a narrativa e começou a contar a história, que deixou o Augusto, colega geólogo, perplexo, lógico para os dias de hoje, porém em outros tempos e numa cidade pequena não deve ser incomum.
 Nosso amigo já era Engenheiro, doutor, trabalhava lá pelas bandas de São Paulo, mais não podia aparecer um feriado, que pegava seu carro é ia para casa dos pais, numa pequena cidade, Lagoa Formosa, que fica perto de Patos de Minas.  Num destes dias ao chegar, conheceu uma menina tímida, com um jeitinho todo matreiro, era filha de um compadre de seus pais que morava na roça e que estava na cidade, pois estava adoentada. Logo o Doutor Engenheiro se engraçou pela menina.

Chegando a noite ele deu uma volta pela cidade, mas a menina não saiu da cabeça, mal rodeou a praça e voltou pra casa. Chegou, sentou na sala ao lado de sua mãe e da menina que assistiam televisão, mas os olhos eram só para a mocinha. A hora que a mãe deu boa noite ele se alvoroçou, porém o banho de água fria veio antes do pensamentos tomar conta da sala, mal sua mãe se levantou a menina saiu de fininho e se recolheu.

A mãe do rapaz percebeu e deu uma de cupido, ligou para o compadre e fez o meio de campo e marcou um almoço na fazenda, menos de um mês o Amigo retornou a cidade e, teve que levar mãe para visitar os compadres. Chegando à fazenda, primeiro veio o café  com pão de queijo, uma volta pelo quintal para apanhar umas frutas e nada da menina aparecer. Chegou a hora do almoço, o cardápio domingueiro das famílias do interior, frango caipira, macarronada, tutu e uma bela salada de alface com tomate. Sentaram todos ao redor da mesa e veio o imprevisto, o Doutor não gosta de frango caipira, da pra acreditar? O homem gosta é de frango de granja... mas fazer o quê? Nesta hora foi melhor o doutor engolir a refeição tomar uma talagada de uma branquinha que apareceu na mesa e criar coragem para pedir em namoro a menina, que estava sentada ao lado da mãe, tímida mais, bem interessada no rapaz.  No fim a história teve um final feliz, o casamento aconteceu, nasceram dois garotos lindos, gêmeos e o casal leva a vida na tranquila cidade do interior. Porém para relaxar a “Patroa” sempre Diz
“Ele me tirou da roça pra trazer para outra roça”

Bom, como sempre deixo uma receita no final da prosa vou deixar nesta página com preparar um pato. Na verdade para melhor traduzir a região iria muito bem uma recita de frango com açafrão, porém esta receita já tem no blog e acompanha o texto de nome dePelos caminhos do sertão Mineiro – Frango com Açafrão” no endereço  http://joaotomate.blogspot.com.br/2011/10/pelos-caminhos-do-sertao-mineiro-frango.html