sexta-feira, 12 de outubro de 2012

República Butantan – Uma República de Cobras






República Butantan – Ouro Preto
Uma República de Cobras


A vida estudantil confunde-se com a história de Ouro Preto. A partir da fundação da Escola de Farmácia em 1839 e da Escola de Minas em 1876 o cotidiano ouro-pretano passou a contar com a onipresença de estudantes em suas históricas ladeiras. Segundo consta, as primeiras repúblicas de Ouro Preto foram criadas durante o período de transferência e transição da capital para Belo Horizonte (1897), durante este período houve um forte declínio econômico e social, dentro deste contexto, várias casas, prédios e sobrados foram abandonados e tomados por estudantes que reivindicavam moradias às suas instituições de ensino. A partir dos anos 1950, a  Escola de Minas iniciou processo de arrendamento e integração dos casarões invadidos pelos estudantes. Com isso estas casas passaram a servir oficialmente como moradia estudantil gratuita. 

A história da República Butantan tem inicio nos meados da década de 60, quando alguns alunos da Escola de Minas, devido a dificuldades financeiras da época, resolveram se juntar para dividirem as despesas com moradia. Inicialmente entre estes alunos encontravam-se: Alfeu Zanon (aluno de Geologia); os “cascudos” Marcos Donadello, Mauricio Marcone e Emmanoel Dutra (se preparavam para ingressar na EMOP)


Inicialmente a residência que abrigou a República Butantan foi um sobrado de três andares localizado na Rua Getúlio Vargas, um pouco antes do Hotel do Rosário (atualmente Solar do Rosário); esta casa abrigou a República por quase 5 anos. Este período é descrito através do relato enriquecedor do ex-aluno (Geologia-1965) e também ex-professor da Escola de Minas, Marcos Donadello: 

A casa original ainda é a segunda que precede o Hotel, pelo lado direito de quem vai para o Rosário. Tem três andares, no térreo ficava uma relojoaria, no segundo andar vaga para quatro, cozinha e banheiro, no andar de cima, vaga para mais seis. Ali mesmo formaram-se o Zanon (Geologia 64), Marcos Donadello (Geologia 65), Maurício Marcone (Minas 65) e Emmanuel (Geologia 66).

Ele ainda complementa sobre o cotidiano e a rotina desta época:

O nome e a placa, ainda hoje mantidos, foram escolhidos desde início, na pretensão que lá morariam os estudantes cobras. Na realidade o atrativo era economizar com a divisão das despesas de aluguel e luz. A identidade dos moradores era a pouca grana (...).

Resumidamente podemos avaliar que o inicio da República Butantan foi permeado de muitas dificuldades, mas no seio destes obstáculos, surgiu uma força e amizade imensamente forte:

Cada um fazia o seu café e arrumava seu quarto. Alguns lavavam a própria roupa. As refeições eram feitas em pensões próximas (só Zanon tinha o privilégio do REMOP). Banhos quentes, utilizando um aquecedor elétrico de 200 litros, só aos sábados (dava sempre briga porque os primeiros da fila consumiam toda a pouca água aquecida). As lâmpadas dos corredores ficavam apagadas e a porta de entrada sempre aberta (bons tempos). Bastante sujeira e uma pobreza sustentável. Mas eram todos muito felizes e esforçados (cobras de fato).

Na residência original (no Rosário) ainda moraram os ex-alunos Mauro Ribeiro (Minas 71), Carlos Trindade (Capixaba – Geologia 71), José de Souza Gomes (Zé Tarzan – Minas 71).  

A segunda metade da década de 60 foi marcada por muitas transformações, na vida política do país, na estrutura da educação e principalmente na história da República Butantan. Foi durante este período que por meio de mobilização estudantil que a Escola de Minas adquiriu algumas residências no centro histórico de Ouro Preto com o intuito de melhorar as condições de vida dos estudantes. Entre estas casas foi adquirida a residência localizada na Praça Barão do Rio Branco 44 (Praia do Circo), que era propriedade da tradicional família Trópia.

Segundo o ex-cobra José de Lourdes Ribeiro Motta (Eng. Metalúrgica-1972):

A Butantan atual foi consequência de um grande movimento feito pelo Diretório Acadêmico em 1966, que sensibilizou a direção da Escola de Minas a investir em cerca de 10 casas reformadas, que originaram repúblicas já existentes (...) Como podem notar a Butantan não caiu do céu, ela foi conquistada por um grupo de colegas que se expuseram na época, face ao regime militar.

A República Butantan se transferiu para esta casa em 1967 e desde então transformou o local em seu “habitat”. Esta fase é marcada por três fortes características, que se transformaram em pilares da essência ofídica:




A primeira faz referência ao seu período de glória no esporte: durante o final da década 60, Marcos Donadello, Carlos Alberto - Capixaba, Jarbas Caiafa - Jarbinhas, Vicente Lanna, José de Souza Gomes - Zé Tarzan, além de Benedito Amâncio de Moraes - Duca, defenderam a ADEM (Associação Desportiva da Escola de Minas) que sagrou-se bicampeã do campeonato municipal promovido pela Liga Esportiva Ouro-Pretana (LEO) em 1968 e 1970. Só não foram tricampeões porque em 1969 a “LEO” não realizou o campeonato para a reforma do Estádio da Barra.

A segunda característica inerente à República é a forte associação com a comunidade ouro-pretana (fato que se estende até hoje, do qual nos orgulhamos muito). Destaque para a amizade com o ex-aluno e ex-professor da Escola de Minas, Benedito Amâncio (Duca – Geologia 70 in memorian ) e o também ex-aluno e professor da Escola de Minas, Espedito Teixeira de Carvalho (Civil 1976) além dos amigos e vizinhos da Praia do Circo e do Pilar tais como Dona Célia, Sr. Gentil, Sr. Domingos Mendes entre outros.

Em meio a este ciclo de amizades citamos o Sr. Gentil de Souza e a Sra. Célia Nazaré que foram os tutores do João da Mota, popularmente conhecido como João Pé de Rodo, na aposentadoria deste junto ao INPS, processo este montado pelos moradores da Butantan, com o apoio do Padre José Simões.

É impossível não associar a República Butantan ao lendário José da Mota, vulgo João Pé de Rodo. São várias e inúmeras as histórias que circundam sobre a sua vida junto a Butantan, muitas destas histórias acabaram tornando-se lendas e habitam o imaginário popular ouro-pretano.

Segundo consta, foi levado para a República pelo ex- cobra José de Lourdes Ribeiro Mota, do qual o João Pé de Rodo orgulhava-se em considerá-lo como primo, devido a coincidência do sobrenome “Mota”.

Pelas ruas da velha cidade, foi montando, aos poucos, o tipo humano que todos conheceram: homem baixinho, com roupas grandes e desengonçadas, o sapato, bem maior que seu número real, a arrastar pelas ruas (o que lhe reforçou a alcunha Pé-de-Rodo). Sempre cismava que era militar, com a patente de capitão, razão pela qual costumava se apresentar com fardas cheias de condecorações imaginárias. (Bohrer, Alex Fernandes – Ouro Preto: Um novo olhar, pg. 74).

O Cônego José Feliciano da Costa Simões o definia assim:

Um tipo popular que deixará uma marca na cidade, por ser criador de uma autêntica filosofia de vida, da qual ninguém se esquecerá por muito tempo (...) uma pessoa que tem alma pura e profundamente boa (...) e um grande sentimento de honestidade e dignidade.


A terceira característica advém da forte participação política dos moradores da República (conforme citado anteriormente) destaque para José de Lourdes R. Motta e Cláudio Ribeiro Lacerda que à frente do Diretório Acadêmico tiveram uma participação ativa na política estudantil e nacional em uma época que deve ser valorizada entre outros motivos, à repressão dos militares aos movimentos populares e estudantis. Neste período as Entidades estudantis como a:  UNE – União Nacional dos Estudantes e a UEE/MG – União Estadual dos Estudantes, foram esfaceladas pelos militares e passaram atuar na clandestinidade.

Com a criação da Universidade Federal de Ouro Preto (1969), composta pelas Escolas de Minas e Farmácia, advém uma nova conjuntura estudantil. Nesta época (inicio da década de 70) o cobra Elias C. de Rezende estava à frente do DAEM. Durante este período os movimentos sociais crescem e pressionam a Ditadura. No ano de 1979, Ouro Preto sediou o congresso de refundação da UEE/MG, a definição de Ouro Preto como sede teve o seu indicativo numa reunião entre tendências politicas do movimento estudantil em pleno quintal da Butantan.

Conforme cita José de Lourdes de Ribeiro Motta:

Durante muitos anos, a nossa Butantan, conforme puderam notar, participou ativamente da política estudantil da época, o que muito nos orgulha até hoje. Tenho certeza que após esta geração, certamente outros também contribuíram com o D.A ou outras Entidades e ainda contribuirão.


Não entraremos no mérito da questão, mas podemos afirmar que este envolvimento político dos “Cobras” ao longo do tempo foi fundamental para a manutenção da República dando à nossa casa um status de vanguarda na formação de opinião dos estudantes quanto a políticas universitárias e nacional.

“Ter vivido nesse ninho de cobras é carregar pelo resto de nossas vidas as lembranças das lutas, da amizade e companheirismo” (Roberto Guidugli civil 1980)

O século XXI (anos 90, 2000) chegou com uma nova conjunção onde a Universidade toma um papel diferenciando, o país vive um momento econômico de euforia e a antiga Ouro Preto que nos anos 70 assistia pouco mais de 1000 estudantes circulando por suas ruas e becos, atualmente conta com mais de 10.000 estudantes, produto da expansão universitária.





Mesmo assim, a história da República Butantan tem sido sustentada onde novos “cobras” mantêm os princípios culturais plantados na década de 60, ainda no sobrado da Rua Getúlio Vargas que, no ano de 2012 chega ao seu cinquentenário com muita energia e vigor. Para quem não viveu na Butantan é difícil explicar o que se passou em nosso habitat, construímos ao longo de 50 anos uma grande amizade onde ex-alunos de diversas épocas mantêm o companheirismo e a fraternidade que nos leva a considerarmos como “irmãos de república”.

O momento atual tornou-se um tempo de desafios para os estudantes. O passado deixou lições de superações durante as adversidades, e se a República hoje é uma instituição da qual todos nos orgulhamos, isto se deve e muito aos momentos onde a dificuldades se fizeram presentes, e aí, exatamente neste instante, surge à essência de ser de uma República. A República Butantan.

O prazer de voltar a nossa eterna “Butantan” é compartilhado por todos os ex-alunos, pois sentir e reviver as lembranças da vida estudantil é suficiente para consolidar a nossa amizade e nosso espírito Butantaniano.