domingo, 2 de setembro de 2012

TUDO DE EU QUE HÁ EM MIM - POESIAS







“Sozinho parti e sozinho chego
Mas não me perguntem por onde andei
Juntando poemas que nunca escrevo
Formando um poeta que nunca serei.”
Guto Amaral

Tenho publicado aqui blog e no Facebook poesias isolados do meu poeta favorito, meu primeiro filho Augusto Cesar, que escolheu o nome artístico de Guto Amaral, agora trago todas as poesia que foram publicadas em seu primeiro livro, espero que gostem e passem para frente afinal, poesia é um santo remédio para a alma.

Augusto escreveu seus primeiros versos aos oitos anos ainda quando morávamos em Ouro Preto, Estudava no Colégio Arquidiocesano que publicou um livro com poemas dos alunos. Hoje ler os poemas do Augusto é aceitar o convite para viajar em sonhos, imaginação, sentimentos de um poeta que traz na força de seus versos a convicção do homem que escolhe com a razão, apoiado na emoção, com a certeza de ser um humanista por opção.

O poeta sintetiza o cotidiano e cada verso seu tem o dom de eternizar o tempo, levando cada leitor a repensar sobre o poder das palavras na formação de uma sociedade, onde as semelhanças entre os homens predominam sobre as diferenças.

Por bem conhecer o poder libertador das palavras, o menino que correu pelas ruelas da histórica Ouro Preto, brincou nas praças de Santa Tereza em Belo Horizonte, passou varias de suas férias escolares com os avós em Ituverava e viu a sua adolescência chegar em Betim, se fez poeta juntando palavras de sonoridade distintas que levam, até mesmo o leitor desapercebido, a reconhecer que além da rima os seus poemas trazem a determinação, a ousadia e o grito de liberdade que mora em sua intimidade.

 João César Cardoso do Carmo 

A seguir convido amigas e amigos  para uma viagem em versos que dão voz e forma ao mundo dos sonhos que habitam a casa do poeta.


PARTE 1 - M EU CAMINHO 
Tudo de eu que há em mim

Peguei o lápis, a caneta
Tomei o tinteiro, a pena afiada
Tentei o astrolábio, a luneta
Corri à vidência, à matemática aplicada
Mas foi o carvão
Que me socorreu, que me demarcou
E então o formão, a talhadeira
Arrancaram deste ébrio granito
Estes versos cinzentos
Este matraquear aflito
Que me tirou do poço escuro
E revelou ao meu espelho
Tudo de eu que há em mim. 

trajetória

Minha vida é um rio
E por mais piegas que a idéia possa parecer a vós
Doutos senhores donos da verdade
Isso não retira dela o caudaloso movimento de revolta
A amargura estática de contemplar o mundo
Sabendo que jamais retornarei aquele ponto
Sabendo que o rio jamais retorna
Ainda que eu suplique, clame, reclame
Jamais tornarei a ver
A curva de anteontem
Jamais tornarei a sentir
O ar da montanha ao sol da manha
Caminharei eterno pro mar
Me juntarei a milhares que me precederam
Seguirei sorumbático, semimorto
Mas seguirei, pois minha vida é um rio
E o rio não se arrepende
Não sente saudades
O rio só vê à sua frente
Sente saudades do mar, do que há por vir
Sigo assim piegas, medonho, sorumbático, caudaloso
Sigo porque nada mais me resta
Sigo porque assim seria mesmo que não me apetecesse
Sigo, pois o mundo deve girar
Sigo, pois meu filho deve nascer
Sigo, pois quero ser eu
Ainda que não saiba o que isso quer dizer
Sigo apenas pelo prazer de olhar pra traz

E ver a curva que acabei de fazer





De minha poesia que é parca
Devo valentia aberta a faca
A Manoel de Barros e atoleiros
Que me ensinou a ser oleiro
De palavras naturais
De encontros casuais
De cheiros e texturas
E de sombras e amarguras
Fundir novos vocabulários
Novas contas ao escapulário
Da língua portuguesa
E muito preso a certeza
De que os verbetes portugueses
Acham-se gastos de alfinetes
Precisando de reforma estrutural
Transformando seu gene cultural
E libertando-os para serem livres
De pres e pós concepções incabíveis
Que afirmam que poesia
Não se come, se anuncia
Não se bebe, se escreve
E que a vida se inscreve
Sob forma juramentada
Nunca ouvi maior patada
Idéia mais sem sentido
Afirmar mais descabido
Que palavra foi criada
Pra ser coisa mal tratada
De boca em boca apertada
Sem ter sido nunca pensada
Pela vez de uma criança.

Corrupção

No começo era o verbo
E este era livre de pres e pós conceitos
Era único e era só
Bastava-se em si mesmo
Era autoconfiante e sincero

Então

Surgiu o poeta
Se infiltrando qual serpente venenosa
E se pôs a conjugar o verbo
E o fechou em um labirinto de mesóclises
E sujeitos ocultos

Destruiu sua paz serena
E o fez auto-piedoso,
Auto-comiserado, autocrítico
Roubou sua sinceridade
E o fez cínico, sarcástico
Converteu paz em silêncio
E silêncio em opressão
E não seremos perdoados
Enquanto não queimarmos o poeta
E devolvermos suas cinzas ao pó
Ao verbo inconjugável do existir

Pretensão

Escrever com vontade
De fazer existir
Por uma fração de segundo
Uma idéia pura
Um pensamento claro
Nascidos da vontade de querer dizer
Do medo de ser ridículo
E da certeza de não ter nada além da mensagem
Que não se cala
Nunca se calará
Até que seja ostentada
Grafada, editada, selada.

Escrever com vontade
De se fazer existir
E de ousar autorar
A mensagem que segue rondando
Zumbindo perniciosa aos ouvidos
Invadindo sonhos no avançado da hora
Se deixando conquistar por cada mente
Da qual virgem eterna
Que se deixa deflorar a cada noite
E volta a se oferecer a todos
Até que ninguém se disponha a ouvir
Porém o poeta não pode calar
Não pode deixar de ouvir o gemer
Não pode fugir, deixar pro vizinho
Não pode tocar cítara ou zabumba
Não pode viajar pra saturno e desligar a secretária eletrônica
Só pode se fazer caneta
E deixar nascer,
                 deixar nascer...

Escrever algo que nunca tenha sido
Escrito, grafado, debatido, ou sequer pensado
Tentar não plagiar
Os grandes que me precederam
Aplacar com tinta preta
Minha consciência literária
Como encontrar o tema apócrifo
Que me permita criar algo inusitado?

Às vezes me indigno
Com os senhores que tudo disseram
Que tudo interpretaram, que a tudo
Deram a luz literária que jamais poderei dar
E no fundo, o meu sonho é bem simples
Escreve algo que nunca tenha sido. 


Esquerda

A verdadeira militância
É estar não posicionado
Nem direita, nem esquerda
Sigo sendo inconformado
Desde a mais tenra infância
Da qual não sei se posso
Sair sem que me perca
Sem cair no fosso
Da hipocrisia insólita
Do ateísmo celular mitológico
Da formação poética caótica
Do excesso de verdades fisiológico
Da busca pela busca e não pelo achado
Da fenda que se abriu em meu crânio rachado
Da negação do eu e do não eu
Que me leva ao nada
Ao nada saber e ainda assim crer
Que a verdade triunfará
Ainda que eu não viva pra ver.


Panfletária
Pensei em fazer um discurso
Compor qualquer coisa
Que nos guie à verdadeira revolução
Entretanto pensei no recurso
E concluí que nossa causa
Não aceitaria tal conclusão
Não cometeremos os mesmo erros cabais
Não subiremos montanhas, cruzaremos florestas,
Ou atravessaremos rios convulsos
Seguiremos a trilha oposta
À que leva à revolução silenciosa
Negaremos nossas convicções
Rechaçaremos nossos ideais
Seremos nossos próprios contra revolucionários
Nos boicotaremos e apenas assim
Seremos livres e enfim
A revolução acontecerá
E o sol há de brilhar mais uma vez.


Buscar refúgio
Uma guarida que me proteja enquanto escrevo
Que não permita que me vejam
Enquanto escancaro minha alma
Para tentar retirar dela
Pequenos fragmentos poéticos
Com o qual tecerei alguns poemas tolos.

Quão desastroso seria
Se me vissem em tal posição desguarnecida
Me isolo em meio à natureza
E ali percebo que não há poesia
Que resista à metafísica de Alberto Caieiro
Que as linha poéticas com que foram traçadas as montanhas
Que o brilho poético que alimenta o sol
Foram criados numa língua remota, desaparecida há muito

E ao tentar capturar tudo isso
Me percebo e me envergonho
De minha pequenez egocêntrica
Frente à potencia criadora da fonte
E sem poder capturar
O canto das flores em voz de amanhecer
Ou o canto dos pássaros em voz de pôr-do-sol
Encho minha mala de sereno
E com este arremedos poéticos
Volto à vida que deixei
Esperando que ela me permita esquecer
Me permita adormecer. 

Uma vez tive um sonho
E se tive tal ousadia
Foi apenas por saber que ninguém
Espreitava-me no adiantado da hora

E neste sonho me vi indizível
Percebi-me em tal liberdade
Que jamais ocorreu à nossa sociedade
Desprendi-me da busca pela verdade
Olvidei as tentativas do impossível
E me curei das negras horas de torpor

Em meu sonho, meu poder era incomensurável
Entretanto por mais que realizasse
Não pude perceber
Nenhum nome que à mim chegasse

Percebi que assim anomeado
Estava mais livre que jamais fora
Pois me vi oposto
De tudo que sou em vida
De tudo que o homem com-preende

Se sou visível, nomeável, tributável
Aferível, plausível, sustentável.
Ao me descobrir indizível
Me fiz transparente

Pois o homem não compreende
O que não pode nomear
E a poesia, homem algum, jamais com–prenderá.

THE END

Meus pés estão frios
Como podem querer, esperar de mim
Que finja que nada me importa.
Meus pés estão frios
E todo o calor que vejo, no fim
Não me atinge, não me conforta.
Meus pés estão frios
Como gotas de desprezo
Como batidas amargas à porta
E decerto não vejo
Como aquecê-los em tão fria sina.
Perdi meu dom
Perdi meu calor
Não creio no homem, na burocracia
Não creio no bom, nem no labor
Não creio no tempo, nem no desabafo.
Só creio no frio, que geme em meus pés
Só ele me toca, só ele me agride
Só ele me lembra de tempos melhores
Só ele doutrina, educa e conforma
Só creio no frio
                                                                                                                                                                        Só ele estará sempre lá. 






Já não resta viv’alma
Já não há testemunhas
Restei só, porém solene
De olhos mareados e pedras nos sapatos
Ouvindo o bater surdo do relógio
E o cair do orvalho lá fora
Pensando cá com meus botões
Que diabos estou fazendo aqui?
Só, neste salão arrumado
Aguardando algo que jamais virá
Apago o cigarro e pego o chapéu para ir embora
Mas eu bem sei que não vou
Eu nunca vou
Foram-se todos e eu fiquei aqui
Queria ser como todos e poder ir pra casa
Queria que fosse simples como um beijo de boa noite
Mas o mundo me dói
O noticiário me aniquila
A novela das oito me corrói
E tudo que construí
À Borges, Neruda e Kafka
Cai por terra e me leva junto
E de repente todo o mundo
È estranho e assustador
Quisera não compreender
Quisera me desprender
E fazer da novela das oito
Minha verdade universal
Mas não aprendi a desaprender
A me desapegar do que pudera ser
A ser menos não-igual


Nasci artista
Nunca me perguntei  porque a desgraça se abateu assim sobre mim
Aceitei meu fardo
E o carrego conformado
Enquanto prossigo o caminho sem fim
Trago comigo a marca da raça
Que expulsa do paraíso
 Se esqueceu de esquecer
E por isso tenta inutilmente
Recriar o que sonhos dementes
Insistem em relembrar
Pintei, esculpi, ensaiei, bailei
Ainda que não tenha usado nada
Além de palavras tolas e desculpas descabidas
Recriei com minha caneta
Obras primas das artes plásticas ou naturais
E estas foram perfeitas e eternas
Até que olhos humanos as tivessem visto
Então a serpente da auto-crítica
Me cravou as presas longínquas
E levou até meu cerne
Dúvidas que qual um verme
Apodreceram minha confiança

Me rebelei contra minha entranhas
E cada luta me matava
Mas minha sentença ditava
Que jamais sofreria a estranha
Morte que a todos aguarda
E juntando água as cinzas
Da ultima obra urdida
Fiz tinta qual veneno de sobra
E mais uma vez destemida
Minha caneta correu qual rastro de cobra.



PARTE 2 - MEUS RETALHOS

Cidade

Cor de cidade
Cheiro de cidade
Gosto, densidade
Capacidade de se repetir ao infinito
Sem nunca ganhar sentido

Cidade
Engrenagens que se cruzam
Sem se olhar nos olhos
Perver-cidade
Aglutinação de significantes
Repetição de insignificantes
Alunia

E no sétimo dia fez-se a luz
E ainda que nossos olhos continuassem fechados
O calor da luz criou a sensação de enxergar
Os outros vultos insones
Reuniram-se calados, cansados
E continuaram sua ironia
Sua saga-cidade
Septicemia



Sarau para o corpo
Do tolo insistente
Sarau para a alma
Cansada insistente
Sarau para a vida
Ferida insistente
Sarau pra saudade
Verdade insistente
Sarau nesta noite
Afoito insistente
Sarau insistente
Insistente insistente...

Mas tem hora que é foda.

Mitologia Brasileira

Cozinhar Deuses em fogão à lenha
Deixa-los esfriar à beira-mar
À sombra de uma nau portuguesa
Soca-los no pilão da história
Na lenta batida de um tambor africano
Salpicar tristeza

A tristeza é essencial para realçar
A alegria teimosa de ser brasileiro
Malicia, tempero, malandragem
E haja cerveja
E haja mulata
E chega de escrever...




Se um café
Pudesse aquecer-me a alma
Se João Gilberto
Pudesse fazer-me esquecer-te
Se eu ouvisse a minha razão
E não a emoção volúvel
Do que chamam coração
Talvez eu tivesse paz
Talvez eu não sofresse
Mas daí eu não escreveria
Que diferença faz
Trocar de dor não faz sentido.

Se ao invés de teu amigo
Eu fosse teu amante
Objeto tímido de teu amor
Viveria a alegria inconstante
De reconhecer-me
O mais afortunado homem que este mundo já viu

Entretanto,
A felicidade do homem
É a ruína do poeta
Sem dor não se escreve
O poeta inventa a angústia
Ou antes se angustia por a ter
O poeta, assim como o sambista
Necessita da dor criadora
E do olhar carinhoso de um amigo que assista

Poesia

Jogar com palavras
Jogar com idéia
Manter-se sincero
Mentindo descaradamente
Jogar por jogar
Pegar o universo
Jogá-lo pela janela.

Morre em mim o desejo de vida
Ao pensar que para domá-lo
Devo antes agarrá-lo
Expor-me  ao risco de me ´perder
Entre aquilo que sou
E o que queria ser
Entre o adormecer
E a formação do sonho
Entre o verbo
E o tempo que insiste em não passar.






Manter-me à parte


Sabedoria
Que rima com
Covardia

Medo de mudar meu destino

Manifesto ingênuo

Proponho agora
A desmentirização do mundo
O enverdadeiramento do ser humano
Capitalista mundano
Desumano imundo
Perversidão que ignora
Que a mentira de agora
È a degeneração do amanhã
Amanhã ?, que amanhã ?

Dia dos namorados

A vontade de estar aqui
Não se mistura não se compara
Eu sei bem porque vim
E nada de ti me separa
A teu lado as aves cantam em bemol
A lua brilha qual sol austral
E todas as verdades que tenho
Se dissolvem no tempo
Que corre mateiro, em ritmo incerto.

Tua presença marcante me conclui
Sou o pleno,
ainda incerto e inacabado,
Mas sou pra todo o sempre
O seu eterno namorado

Filosofia

Nada existe
Só a poesia
Somente ela existe
Insiste
Persiste

E mesmo que algo
Insistisse em existir
Se esconderia de nós
    (não que isso seja difícil)
não o veríamos

não o enxergaríamos, entenderíamos, manipularíamos
apenas sentiríamos a
sua poesia intrínseca
      de volta a poesia

tampouco poderíamos comunicá-lo
e ao dizer transformá-lo
traduzido em palavras de papel
bíblica torre de Babel
que nos impede a comunicação.

permaneço incomunicável

nenhum entendimento é possível
nem interno, nem externo

só a poesia
só ela é viável

Pseudo tragédia

Olho para o papel amarelado
E me apanho segurando a caneta
Empunhando o gládio de minha vida
Lutando as batalhas de minha história
Vivendo as epopéias de minha época
È minha vez de ser infeliz
De ser maldito
De ser estranho
De ser ferida
De ser espinho
De ser tanta coisa que nunca é nada
Divino seria findar esta tragédia épica
Re-arquitetar o caminho

Olho para a caneta em minha mão
E o papel surge impotente em minha frente
Quanta dor, quanta morte terá minha caneta causado
Quanta pergunta ferida
Quanta idéia dilacerada
Quanta palavra decapitada

Escrever é um crime
Reservado aos covardes
Àqueles que não suportam a vida
E por isso a falsificam em papel
Vou pegar minha caneta
E cometer harakiri
Pra poder entrar no céu.

Noite dos Amantes

O vapor inebriante que aspiro
As notas distoantes de uma clavinova
Temperam minha noite
Com especiarias exóticas
Com palavras entrecortadas
Por olhares furtivos
Com solos cruzados por intenções diversas
E você paira luminosa
Sobre minha ânsia adolescente
Já me percebi perdido há tempos
Entretanto que prazer maior
Que me atirar de cabeça em sua armadilha
Que me perder em seu olhar indolente
E meu único desejo é que o mundo
Se cale só para poder ouvir
O perfume de teus cabelos.
A cor de seus sonhos
E me sonhar dentro deles
Entretanto a cada momento
O mundo me parece mais vivo
Mais gritante, mais impulso
Mais coração pulsante
E que a aurora me recolha
De seus braços ou de Baco
Ou o que vier primeiro.


PARTE 3 - MINHA HISTÓRIA




Sorridor

Quando nasci
Pela primeira vez sorri
Minha mãe pulava de alegria
Sabendo que uma nova criança ela teria
E eu,
Percebi que isso
Era um gesto de amor
Por isso, eu virei um sorridor
(primeira poesia, 1988 -  sete anos)

   Crescer

Que a tarde caia lentamente
Sem a correria do quotidiano
Porque? Ninguém entende
Nessa correria
Se passam horas, dias, anos
Na imensidão do céu
Me perco no tempo
As nuvens o enfeitam como um véu
Que se encaixa em meu pensamento
Vôo na dimensão do espaço
Me sinto um pedaço daquele momento
Um pedaço perdido no tempo
Tempo, que nada mais é
Que o período de um pensamento
Que voa, mergulha, desliga
Se esquece da vida
Irradia uma aura de paz
Que me imuniza contra a realidade
Que acontece ou faz acontecer
Isto se chama crescer.



Juventude

A hora é já
O momento é agora
O pensamento no futuro
E o futuro é esperar
Quebrar a melancolia do quotidiano
Me perder no tempo
Viver a minha vida
Perdido no espaço
Criar minhas idéias
Num espaço vazio
Num pensamento abstrato
Ser quem eu sou
Criar meu espaço.



Realidade

O pensamento procura a razão de ser
Não encontra, não existe
A vontade de vagar sozinha
Se confunde, se mistura
Com o desejo de manipular
Cada pensamento, cada pesadelo
Cada sonho, cada ilusão
O ser humano se acha desenvolvido
Mas é dominado, controlado
Por suas vontades
Por sua realidade.
 Banalidades


Baile de Máscaras

Chega
Não quero mais ver-te iludida
Sob tua máscara rasgada
Ver-te encolhida
Sob o peso do medo
Ver-te assustada
Com a vergonha desmedida
O peito arfando sob o peso da mentira

Eu não quero ver
Eu não vou ouvir
Não vou querer saber

Acompanhar-te-ei por teu baile de máscaras
Por teus salões seguirei tua figura insólita
Tua sombra meu amor
Está morta
Morta por tua insanidade
Sufocada por tua nova realidade
Que mantêm fechada a porta
E me deixou de fora


Porque

Porque dizes adeus
Se o universo se expande
E nas voltas da eternidade
Voltaremos à origem para nos encontrar.

Porque sofrer com a despedida
Se é possível evitar a partida
Mas é impossível evitar o regresso
Apagar o passado
Evitar as lembranças
Isto sim é possível
Mas você retornará ao seu berço
Pois nele encontrarás o afeto que a realidade te negou.
              


De Que Adianta

De que adianta
Viver nesta sociedade
Nesta triste realidade
Onde o tempo é eterno
E o tempo é o inferno.

De que adianta
Sonhar com um mundo melhor
Se o futuro que nos aguarda
É bem pior
É o caos da imensidão
Da imensidão do nada.

De que adianta
Lamentar-se por uma escolha errada
Se outras chances virão
E o tempo se encarregará
De lhe dar outra oportunidade
De matar uma charada
Que persegue a eternidade.

De que adianta
Todo o entusiasmo do amor
Se ele lhe causará dor
Ele irá te enfeitiçar
Esta novela é conhecida
E eu sei onde vai dar.

De que adianta
Escrever poesias
Se elas se perderão
No tempo
Na eternidade
Na imensidão.



 Angustia

No vazio de meus atos
Esvazio o pensamento
E tentando viver o momento
Me perco na angustia de meu quotidiano.



Drogas

Não há nada de concreto
De concreto apenas eu
Mesclo sensações inesatas
E na embriagues de bebida barata
Me perco numa dimensão insensata

   Cão Da Lua

Quando a insônia, um pálido vampiro
Um arcanjo com hálito errante
Sinto derramar-me a vida em cálice
Perfura-me a jugular incessante
E um último suspiro impede que me cale.

Quando a noite cheirando à morte
Surge a lua fugaz, traiçoeira, imaculada
Reergo-me louco de sede
Ressurgido pela sua vontade imediata
Juro-lhe minha fidelidade.

Sinto minha carne putrefata
Vermes a devorar-me o crânio
Sinto-me louco de espírito
E no túmulo da consciência me encerro
A lua pede-me calma
Mas maquinalmente grito

Vejo a eternidade
E na sujeira vil e gananciosa
Escarro a humanidade degolada
E ergo-me nessa patética calma
Transformado num Cão Da Lua.

                  Consciência

Já é madrugada
Todos dormem
Apenas o relógio
Marca a freqüência do sono
E então espero sua visita
Não posso me deitar
Não posso dormir
Tenho que continuar
Tenho que conseguir
Pois sei
Que se encostar a cabeça
No macio de meu travesseiro
Ela irá me visitar
Esta alma penada
Que me assombra a mente
E me faz pensar
E me faz me arrepender
Mas eu não vou deixar
Vou ter que aprender
Como me controlar.

Fecho-me completamente
Mas todos os cantos me observam
E todos os pensamentos conservam
Paranóia, simplesmente
Loucura simples e pura
Que pinga dos meus pulsos cortados
Que acelera minha putrefação
Então eu quebro a cama
E arranco o pé da cadeira
E saio à sua procura
Devastando tudo no caminho
Mas não consigo encontrá-la
Então sento e choro
E antes de desfalecer
Reúno as forças
Em um último grito de
Que não me pegarás
E numa gargalhada
Atiro-me indefeso
Um teste de paciência
Mas me vejo surpreso
E girando cada vez mais rápido
Tranco-me e passo o ferrolho
Pro inferno consciência.

Morram todos

Excita-te monstro infernal
Eu te convoco infame
Rompe o silencio ditame
Devora a esfera social

Maldito foi teu pranto sombrio
Desdita tua fúria incansável
Demente, de uma loucura palpável
Escárnio e insulto transformam teu brio

Revela-te besta, dentro de mim
Espalha tua sarna letal
Ousa voar mais alto enfim

E acredita em teu poder
E consome minha forma animal
Poesia, essência de meu ser.


PARTE 4 - MINHA NÉVOA
Névoa

Apenas vultos insones
Percorrendo auto-estradas
Cruzam-se sem se verem
Seguem ainda que imóveis

Abençoam a névoa pálida
Qual bálsamo que ameniza
As pernas da viagem cansadas
O torpor que se entroniza

Não suportariam os olhares
Dos companheiros de degredo
Os castigos similares.

A vergonha compartilhada
Ostracismo imposto por medo
De vidas desperdiçadas



O dom do esquecimento
A dádiva suprema
Que me permite
Continuar meu crescimento
Percorrendo hipervias da informação
Coletando cacos de inspiração
Tentando abolir qualquer julgamento

Mas fosse guardar tudo
E me implodiria a realidade
Pois tal coleção Funés-rea
Deveria superar o mundo
Nem Borges e sua biblioteca
Nem a junção dos peregrinos à Meca
Nos serviriam de receptáculo etéreo

Se não, como percorrer as vias
Como desfilar as vidas
Como re-conviver com ex-futuros-amores
E toda sua carga de sonhos loading

Para acordar numa terça-feira feira chuvosa
É preciso abandonar a segunda ensolarada.
Para apreciar um bom Carmenère
É preciso deixar o pingado
Para ler um bom livro
É preciso desligar a TV
Pra seguir em frente
É preciso esquecer o passado
Para viver de novo
É preciso ser um naufrago
Sem fogueiras, sem saudades, sem um afago


Em meu coração arde
O pranto da separação
Queria ter-te comigo
E não apenas lembrar-te
Queria voltar ao abrigo
Ao bunker anti-decepção
Queria apenas um sorriso

Sinto a dor da revolta
Das escolhas que não fiz
Da viagem imposta
Sem passagem de volta
Sem direito de resposta
Viagem que nunca quis
Que ao caminho se molda

Não sei por que foi assim
Por que não pude te acompanhar
Mas sei da dor que ficou
Sei do lago que tive que chorar
Junto àquilo que restou
Às tralhas por arrumar
Ao sono que me deixou

Resta agora compreender
Que a esteira nunca pára
Que o mundo sempre caminha
Pode a razão me socorrer?
Porque a dor que nunca sara
Teve que ser a minha?
Por quê? Agora. Sozinha.

Maldição

Sinto as pernas que fraquejam
Sinto as chagas purulentas
Toda a dor compartilhada
Por toda parte convulsão
Em tantas almas violentas
Sofrendo agrilhoadas
O martírio da desilusão

A porta segue trancada
Do inferno não há saída
A dor que pulsa incessante
Remorso qual ferro em brasa
Queimando a alma desvalida
Marcada qual gado errante

Mas a dor maior ainda
É ver no chicote que estala
Na mão que empunha o açoite
Tuas impressões digitais
Tua verdade que não cala
Teu queixume negro como a morte
Teus remorsos capitais

Treme, grita, chora e geme
Segue maldito o poeta
Cultivando chagas profundas
Seguindo insone, a esmo
Sem sentir que a porta segue aberta
Bastando ao eterno Judas
Perdoar-se a si mesmo.



Perdi-te num céu de algodão
O sol escondia-se embriagado
Doeu o punhal encravado
Amarguei a ilusória separação

Tornei a perder-te em outubro
Os dias pendiam para lesmas
Por golfadas os lençóis fizeram-se rubros
E a dor da partida era a mesma

Perdi-te, achei-te, esqueci, reencontrei
Meu ódio, minhas dúvidas, meu amor
Persegui e desisti, duvidei e recriei

Mas a dor só arrefeceu
Ao descobrir que todo o amargor
Foram anos de meu Liceu.



Chove
E a dor que escorre dos morros
Se mistura ao concreto, ao asfalto
Na lama dos sonhos quebrados
No sonho de vidas rompidas
E surge o herói em socorro
O pedreiro que vira bombeiro
O traficante distribui cobertores
E o deputado
Serve outra dose tripla
E assina o pedido de verba
Pena que não chova em Brasília
Que não escorre uísque do morro
Que voto não escora barranco
E que dinheiro no banco
A enxurrada não leve



A verdadeira criação é impossível
Grandes cópias foram, no entanto
Engendradas de modo crível
Para nosso sincero espanto

Toda idéia já é velha
Toda palavra já foi gasta
Só com cuspe e caco de telha
É possível conjurar a pasta
Que remenda a poesia

Contrabandeamos, à Platão
Idéias Neandertais
Capazes de sincera comoção
E liras fenomenais

Lutamos, à Drummond
Guerras dicionarescas
Compomos sem nenhum tom
Hinos e odes dantescas

E só me resta tentar lembrar
Pois tudo que posso ser
É um copista medíocre
Como bem disse Lavoisier

O mundo, não pude criá-lo,
O amor aqui já encontrei
Restou a eterna cópia
Daquilo que vislumbrei.


Minha musa
Cansei de esperá-la
Ó musa inspiradora
Procurei-te pelos bares
Percorri os sanatórios
Visitei a aduana portuária
Mas não achei seu facebook
Sua nota de despacho
Por isso escrevo só
À guisa de poesia
Deito-me sobre o capacho
Da eterna Tabacaria
Apenas amigos poetas
Comovem-se na minha dor
Perguntam-me aonde ia
Em busca do dom criador.


Porque vieste me ver
Já não sofri por demais
As cenas não quero rever
Perguntas já não faço mais

Porque não respeitas o silêncio
Me deixas curtir o abandono
Destilo amiúdes e demências
Me rebelo contra o sono

Porque vieste me buscar
Se não pertenço ao seu mundo
Alegrias não te posso dar
Vago qual cão vagabundo

Mas sinto o perdão que me alcança
Que existe saída à confusão
E sinto que minha balança
Não mais pende pro não



Do trabalho que dignifica
Ao ócio criador
Da verdade meio dita
À mentira que restou

Da musa inspiradora
À prisão da folha em branco
Da idéia arrebatadora
À melodia que já não canto

Vaguei por terras agrestes
À procura de meus poemas
Achei-os junto aos ciprestes

Achei-os onde queria
Voltei co’as mãos calejadas
E a Poesia por companhia




Sigo sorumbático
Pisando os sonhos de minha gente
Sigo emblemático
Reconstruindo temas incoerentes
Sigo por sobre os cacos
De vidas remanufaturadas
Vivo a tanger o acaso
Por sendas amarguradas
E ressurjo pastor
Da vara endemoniada
Da estrela que não se apaga
Da lua cor de carmim
Paus e pedras nada podem
Sigo por espinhos que surgem
Até encontrar a mim

E a mim, me vejo
Conforme a cruz que envergo
Tropeço, e ainda não enxergo
Que aquilo que mais desejo
São um cântaro de água fresca,
A sombra de um limoeiro
E o cheiro de uma goiaba
Pra findar a marcha Dantesca
E descobrir no desfiladeiro
Que o caminho nunca acaba.



Já não quero olhar para trás
Da estrada que percorri
Trago as poesias que me escolheram
As cicatrizes que se abriram
As tralhas que adquiri
E um apetite voraz

Sozinho parti e sozinho chego
Mas não me perguntem por onde andei
Juntando poemas que nunca escrevo
Formando um poeta que jamais serei

Mas volto sereno
Pois sobrevivi à neblina
Ao olhar que recrimina
Ao gosto do veneno

E de volta me encontro
À casa que me acolheu
Na volta quase impossível
De um livro que se escreveu.